segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A musicoterapia e o idoso. Possibilidades de prevenção e tratamento musicoterapêutico.

 A musicoterapia e o idoso. Possibilidades de prevenção e tratamentomusicoterapêutico

Luisiana B. França Passarinii


Para discutirmos as possibilidades do trabalho musicoterapêutico com o idoso, faz-se necessário, inicialmente, fazer um breve e sucinto esclarecimento sobre o que é realmente musicoterapia. Área relativamente pouco conhecida no Brasil, apesar de ter sido introduzida aqui há aproximadamente 35 anos, é uma profissão de nível universitário queconta com cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu) espalhados pelo país, sendo que duas graduações e uma pós-graduação são oferecidas na cidade de São Paulo

Como uma das maiores autoridades mundiais no assunto, Rolando Benenzon define a musicoterapia como “... uma psicoterapia não-verbal que utiliza o som, a música e os instrumentos córporo-sonoro-musicais para estabelecer uma relação entre musicoterapeuta e paciente ou grupos de pacientes, permitindo através dela melhorar a qualidade de vida, recuperar e reabilitar o paciente para a sociedade” (2000, pg 26).  

O que fundamenta o trabalho musicoterapêutico do autor é a afirmativa de que cada ser humano possui uma “identidade sonora” (ISO), que o caracteriza. Refere que a partir do momento da concepção o ser humano é rodeado por um conjunto infinito de energias sonoras como vibrações, movimentos, sons e músicas que, atrelados às emoções, sensações, experiências de vida e vivências relacionais do indivíduo, vão “delineando” esta identidade (Benenzon,1998).  As energias sonoras inserem-se em nível inconsciente, pré-consciente e consciente e tendem a movimentar-se. A musicoterapia permite a abertura de canais de comunicação por onde estas energias sonoras se movimentam e são trabalhadas terapeuticamente. Desta forma, o trabalho musicoterapêutico possibilita ao idoso o encontro consigo mesmo através da mobilização e da movimentação de energias internas: “... o idoso é levado a re-vivenciar vários fatos de sua vida; sua memória é ativada, sua história e sua identidade ”re-afirmadas” e as emoções atreladas a estas lembranças são resignificadas” (França Passarini, 2005)

Na atualidade a musicoterapia brasileira é quase que exclusivamente ativa, focada no “fazer musical”, ou seja, paciente e musicoterapeuta tocando juntos, comunicando-se através dos sons, da música, do movimento e de todas as possibilidades do contexto não-verbal. Os atendimentos podem ser realizados individualmente ou em grupo, dependendo da necessidade de cada idoso, que será avaliada pelo musicoterapeuta. As sessões são realizadas de forma que o musicoterapeuta auxilie o paciente a comunicar-se através de seu corpo (dançar, bater palmas, movimentar-se segundo a música), de sua voz (cantar ou emitir sons) e dos instrumentos musicais (segurar, explorar e tocar). Geralmente trabalha-se com instrumentos simples, de fácil manuseio para o paciente, que conseqüentemente facilitem e estimulem sua produção corporo-sonoro-musical. São utilizados tambores, pandeiros, chocalhos, guizos e outros instrumentos de efeito sonoro. Estes instrumentos podem ser substituídos de acordo com a particularidade e a necessidade do paciente em questão, podendo ser utilizados os de sopro (como flautas e gaitas), os de cordas (violão, por exemplo), aqueles feitos pelo próprio paciente e até mesmo o piano (ou teclado eletrônico), levando-se em conta a identificação do idoso com este ou aquele instrumento ou som, seja pela simples apreciação, seja porque ele é ou porque no passado foi instrumentista. Devemos lembrar que o corpo e a voz também são instrumentos musicais importantíssimos no processo musicoterapêutico. 

Através dos movimentos corporais, da dança, do canto e da produção sonoro-musical nos instrumentos o paciente “faz música” junto com o musicoterapeuta, sem ter que se preocupar com a estética musical, ou seja, o canto, a dança, ou a execução do instrumento não tem que obedecer aos padrões estéticos musicais convencionais. Não se espera que o paciente toque um ritmo correto, cante afinado ou realize coreografias elaboradas nas sessões de musicoterapia. O musicoterapeuta tem uma “escuta” diferenciada onde o fator mais relevante é a inter-relação da produção corporo-sonoro-musical do paciente e de seu histórico de vida sonoro-musical, inseridos no contexto terapêutico. Sendo assim, em musicoterapia, o foco não é “ensinar” a cantar ou tocar. Eventualmente algum paciente se interessa tanto pela música que decide aprender um instrumento ou fazer aulas de canto; então ele deve procurar outro profissional, o professor de música para atendê-lo nesta necessidade. A necessidade terapêutica continua por conta do musicoterapeuta. 

O trabalho preventivo em musicoterapia visa à melhora da qualidade de vida do idoso. Na sociedade atual, constituída por valores que muitas vezes priorizam a produção financeira, a rapidez de informação e a jovialidade em detrimento da sabedoria e da experiência de vida, o idoso não raramente sofre preconceitos, é estigmatizado e sente-se limitado e às vezes até inadequado ao meio. Questões sociais e culturais como estas, na maioria das vezes nem percebida pela família e pelo próprio idoso, silenciosamente afetam, entre outros fatores, sua identidade, sua auto-estima, sua autoconfiança e sua autonomia, o que pode gerar dependência excessiva, depressão e outras complicações na saúde física e mental do idoso. O processo musicoterapêutico permite ao idoso, através da criatividade, da livre expressão e da comunicação através dos sons, da música e dos movimentos, resgatar e fortalecer características pessoais e sociais que lhe proporcionem um envelhecimento saudável e com melhor qualidade de vida.
Em contrapartida, o tratamento em musicoterapia busca melhorar e fortalecer a saúde do idoso acometido por alguma patologia. Através da comunicação (que é principalmente não-verbal, ou seja, acontece pelos sons e pela música e não pela palavra falada) o musicoterapeuta auxilia o idoso a transformar, na medida do possível, sua atitude passiva, de “não-resposta”, resultante das patologias, em atitude de indivíduo atuante, que retoma alguns desejos e ações. Aqui podemos citar algumas patologias que podem afetar os idosos como Alzheimer, depressão, demências variadas, doença de Parkinson, deficiências físicas, visuais e auditivas e algumas seqüelas resultantes de lesões cerebrais, entre outros, que contribuem para o isolamento social e familiar, para a perda de controle, de autonomia e perda de desejo do idoso. 

Em seu último livro, intitulado Alucinações Musicais, o neurologista Oliver Sacks dedica alguns capítulos à descrição da importância do tratamento musicoterapêutico para pacientes com Parkinson, com afasia e com Alzheimer. Neste trecho refere-se ao tratamento de pessoas com demência: “... a musicoterapia com esses pacientes é possível porque a percepção, a sensibilidade, a emoção e a memória para a música podem sobreviver até muito tempo depois de todas as outras formas de memória terem desaparecido” e ainda, sobre os objetivos da musicoterapia com estes pacientes: “...atingir as emoções, as faculdades cognitivas, os pensamentos e memórias, o selfsobrevivente desse indivíduo, para estimulá-los e fazê-los aflorar. A intenção é enriquecer e ampliar a existência, dar liberdade, estabilidade, organização e foco” (Sacks, 2007:320). 

Assim, podemos concluir que a musicoterapia tem enorme potencial clínico no resgate e na manutenção da qualidade de vida do idoso, no contexto preventivo e de reabilitação, visto que permite ao ser humano entrar em contato com suas emoções através de algo tão comum na sua vida e tão intensamente profundo, a música e todo o contexto não-verbal que a rodeia.

Bibiliografia
BENENZON, ROLANDO O. Musicoterapia – De la teoría a la práctica. Barcelona: Paidós, 2000.
BENENZON, ROLANDO O. La nueva musicoterapia. Argentina: Lumen, 1998.
FRANÇA PASSARINI, LUISIANA B. A musicoterapia atuando na qualidade de vida do idoso institucionalizado- caminhando pela psicogerontologia - Trabalho apresentado como conclusão do curso de extensão: Psicogerontologia - Fundamentos e Perspectivas  ministrado no COGEAE-PUC pela professora Delia Catullo Goldfarb, 2005.
SACKS, OLIVER. Alucinações musicais –relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.